Disse-me, uma senhora de olhos expressivos que trabalhava na recepcao, que eu deveria ser breve, afinal, faltava dois minutos para exceder o prazo de entrada em sala de aula. As mãos da secretária fumante moviam-se apenas para abocanhar o cigarro, num gesto brusco entre uma e outra baforada lançou sobre o balcão um calhamaço de folhas e pediu que eu as assinasse voando, pois ela teria que se ocupar de chamar os alunos no patio. Acima da assinatura, no papel bem redigido, figurava os quatrocentos reais da mensalidade acrescidos de cento e vinte do material escolar e saltando aos olhos, uma cláusula citando a impossibilidade da devolução do dinheiro em caso de desistência. Apavorada, me apressei em assinar o contrato, prevendo que perderia o dinheiro mas sem deixar de reservar alguns segundos para perguntar-lhe sobre as cores da casa. - Desculpe senhora, porque a casa tem essa cor tão expressiva? A secretária me olhou estática, sem acreditar no imprevisível interesse e disparou a descrever os detalhes da casa de shows que ali funcionara em outros tempos. - Entre nós, um inferninho, sussurrou, onde trabalhei por seis anos! Ao se debrucar sobre o balcao para pegar os papéis assinados, percebi no decote os seios de outros tempos, hoje indignos, que serviam apenas para balançar pesadamente sobre os ombros a causar-lhe no minimo dores lombares. Aos passos da caneta, contou que ao invés de vermelho usaram o amarelo nas paredes para aparecer melhor durante a noite. Alertei sobre meu atraso e sai em busca da classe que eu não freqüentaria.
O professor que intimidava todos com ares de sensualidade mais evidente do que de simpatia em si, me convidou a entrar na sala sem antes esclarecer a todos sua insatisfação em receber um aluno atrasado. Todos se apresentaram e ao discursar para trinta jovens inexperientes, tímidos, receosos de seus textos e que não poderiam ter de volta o dinheiro investido, o belo professor apresentou o conteúdo do curso destacando os pontos chave: seríamos criticados pesadamente, não se admitia boa intenção apenas talento e que tempo é precioso, nao o perderia desnecessariamente. Por conta da tal inequívoca cláusula financeira, acreditei que meus colegas se dariam uma chance a mais antes de sair correndo dali, depois que o primeiro levantou houve uma debandada geral, depois do intervalo metade das pessoas já não apareceram e na segunda aula eu não soube, porque também eu, não fui. Voltei à rotina sem meu curso de literatura e com a sensação de que escrever se aprende escrevendo.
Nos primeiros dias deste ano, durante os meses que nos prometemos experiências novas e felizes, encontrei na internet um novo curso de literatura em Santa Cecília, parece que só há cursos de literatura em Santa Cecília. Este aparentava mais cuidado, exigia um texto para a seleção dos alunos (forma mais digna de dispensar os bem intencionados), era gratuito, além de se intalar num lindo casarão bege, de batentes e peitoris azuis claro onde morou Mario de Andrade. Seu piano continuava na sala principal.
Vanessa, parabéns!
ResponderExcluirGostei muito.
Acho que existe uma escritora aí, precisando se descobrir, desabrochar...rs
abraço
Lilian
haja trabalho!
ResponderExcluirOi querida, parabéns pelo lindo blog e bela estréia! Abraços, Deborah
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